Várias coisas trazem-me a lembrança da minha infância. Laranjas maduras e doces; mexericas perfumadas; mangas exageradamente grandes... Tudo isso traz-me a lembrança da Usina Junqueira, onde vivi do nascimento até os 13 anos. O cheiro forte do melaço da cana nunca me causou estranhamento como quando há quinze dias o senti novamente, ao passar por Sertãozinho. E aí veio-me à lembrança os passeios que fiz pela Usina, ao lado de meu pai, na época chamado "encarregado de fabricação", uma espécie de sub-gerente.
Quando tinha uns sete ou oito anos, diariamente tomava garapa da cana que era amassada nas moendas. Normalmente, na hora do almoço, ao levar a marmita de meu pai, passava pelas moendas, colocava a cabeça num vão de janela cujo vidro se quebrara e o Sílvio, irmão do Oswaldo Júlio (dois grandes amigos do meu irmão Babão), trazia-me uma caneca feita com lata de óleo cheia daquele líquido doce. Na época, pouca (ou nenhuma) cana era queimada e a colheita era feita manualmente, assim como o carregamento do caminhão.
Lá dentro, via os enormes recipientes onde era feito o "cozinhamento" (como se dizia por lá) do caldo, que se transformava em melaço e depois virava açúcar. Na seção de ensacamento, quando o açúcar já pronto era colocado em sacos de linho e pesado, eu conhecia quase todos os carregadores (alguns sustentavam o saco de 60 quilos com uma mão só), porque minha mãe confecciova os gorros (uma espécie de boné, feito de lona) que eles usavam para sustentar os sacos de açúcar na cabeça, levando-os para empilhamento.
Eu adorava ganhar torrões de açúcar, os quais chupava como balas, ou então entrar no laboratório, quando todo o barulho da Usina desaparecia logo após a porta ser fechada. Ali existia uma pequena moenda que papai usava também para fazer garapa para seus filhos ou para os visitantes, usando uma cana bastante doce, que ele sabia escolher: olhava e já sabia se a cana era boa ou não.
Tinha muito medo de subir na seção de vácuos, pois sempre tive medo de altura. E o pavor se acentuava quando íamos ao mirante existente no teto da usina, onde podíamos ver uma grande extensão de terras, inclusive as fazendas que pertenciam à Fundação Sinhá Junqueira, como São Geraldo e Campestre, além de todas as casas onde moravam os funcionários daquela que já foi a principal usina açucareira da América Latina. Eu gostava muito quando papai, de bom humor, começava a cavar o chão de casa pra retirar minhocas (e ali elas eram abundantes), pra pescar.
Sempre nos levava, ao chamado "pacaembu", um local disputado no Rio Grande que passa nos fundos da usina, onde abundavam lambaris, mandis, bagres, piaus e piaparas. Eu consegui pescar até cascudos de bom tamanho por ali. Acontece que todo o esgoto das casas da usina era despejado naquele local, atraindo cardumes de peixes mais ou menos graúdos. Papai perdia tempo preparando varas, chumbadas e anzóis. Depois do almoço, sempre passávamos uma tarde agradável às margens do rio. Voltávamos para casa quando estava escurecendo, carregados de peixes, que ajudávamos a mamãe a limpar e que nos serviam de complemento no jantar.
Quando não estava trabalhando, papai nos levava pra pescar na tarde do sábado. Era certeza termos peixes variados no jantar daquele dia e no almoço de domingo. De vez em quando, algum pescador mais experimentado presenteava mamãe com dourados e papa-terras (corimba) enormes e aí, dona Altiva fazia um peixe ao molho sensacional, alegrando ainda mais nossas refeições que, na maioria das vezes, não passava de arroz, feijão e algum complemento (ou bife ou chuchu ou batata frita). Bons tempos aqueles...
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