15 de agosto de 2005

O BOLO, 36 ANOS DEPOIS

Quando olhei para o prato que Wandinha me apresentava, retornei ao tempo. Voltei a ter cinco anos diante daquele pedaço de bolo. Que não havia comido e, por isso, passei a vida toda sonhando com ele. Um bolo de aniversário, com fatias de coco e cobertura branca, feita com manteiga. E, justamente aqui, na comemoração dos 88 anos do Comércio da Franca, finalmente comi. A década era a de 60, mais precisamente 1967. Tinha eu cinco anos e, garoto pobre, mirradinho (tem quem não acredita), pequeno para a idade, fui com a minha irmã (dois anos mais velha e que conseguia tudo o que queria, sempre cuidando do "Coisinha", o irmão mais novo) a uma festa de casamento três casas abaixo da minha, na Usina Junqueira natal, a vinte quilômetros de Igarapava. A única lembrança que ficou para o resto da vida foi aquele bolo: quando o vi sobre a mesa (tinha que ficar na ponta dos pés para ver direito), fiquei encantado: enorme, como nunca tinha visto. E com o glacê que era a coqueluche do momento: feito com manteiga e não com açúcar e limão. Cremoso, macio, ao contrário dos quebradiços que existiam. Aí começou o pesadelo: como era pequeno, não conseguia me fazer perceber na hora em que o bolo era distribuído. Luci, minha irmã, no meio daquele mar de cabecinhas ansiosas, conseguiu um pedaço e comeu, pensando em buscar um para mim depois. Quando voltou, acontecia o desastre: depois de distribuído apenas 1/3, o bolo foi coberto e guardado. E eu fiquei sem ele. Febre, pesadelo e um pudim de farinha depois (minha mãe tentou conseguir um pedaço de bolo com os donos da festa, mas acho que nem ante o relato de uma criança doente se sensibilizaram; afinal, mais da metade do bolo deixou de ser distribuída sabe-se lá porquê, frustrando várias outras crianças, por certo). Cresci com aquele bolo na cabeça, sem poder me conter diante da visão de qualquer exemplar da espécie, principalmente se fosse confeitado. Pra minha irmã, era uma criança eterna diante do doce preferido. Pra outros, um maníaco por bolo. Um trauma infantil que até hoje causa gargalhadas no Júnior. E nunca mais consegui ao menos vislumbrar um bolo como aquele. Não é que, para comemorar o aniversário do jornal, dona Sônia acertou mais uma vez (ela tem uma sensibilidade que, por vezes, apreende o que guardamos no mais profundo da alma)? Encomendou o bolo da minha infância, que consegui comer trinta e seis anos depois de sofrer uma das maiores decepções da vida. Em vez das ondas formadas pelo coco em fitas, flores desenhadas sobre a cobertura branca, macia e cremosa, daquelas que lambuzam os dedos. Era ele! E, por obra e graça do Comércio da Franca (que, com o passar dos anos se tornou a extensão de minha casa, um complemento à minha família), exagerei e comi mais do que podia e devia, saboreando-o com o prazer daquele menino de cinco anos cujos olhos brilhavam diante daquela iguaria. Bendito Comércio! Iluminada dona Sônia! E, mais uma vez, obrigado Corrêa Neves por, novamente sem saber, realizar mais um sonho meu!
Esta crônica foi escrita em julho do ano passado e publicada no jornal "Comércio da Franca" na edição do dia 02 de julho.

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