16 de agosto de 2005

MEU IRMÃO GÉRSON

Estava dia desses pensando na vida e, de repente, me dei conta de que Deus foi muito bom comigo. Tive pais maravilhosos (minha mãe, uma figura de grande luz interior, levou a bom termo a criação de seis filhos, sem que tivesse recursos para isso e tenha lutado praticamente a vida toda), irmãos dos quais sinto falta tremenda, uma esposa que só pode ser presente de Deus e duas filhas que não canso de elogiar, além de sobrinhos e sobrinhas que orgulham qualquer um. Aí, lembrei-me do Gérson, quatro anos mais velho do que eu e uma figura ímpar. Gordo desde a infância, atingiu o ápice da adiposidade ao assumir o posto de Rei Momo do Carnaval de Franca por meia dúzia de anos. Deixou de sê-lo só ao morrer. Ainda inesquecível neste posto, por certo foi comandar a folia dos anjos. Gérson era a verdadeira personificação da alegria: sempre sorrindo e brincando, conseguia levar às gargalhadas quem o visse imitando Genival Lacerda e sua dança ou então contando piadas e falando abobrinhas (a história da plantação de bombril é dele). Desde pequeno, Gérson teve que aprender a conviver com a obesidade que deu-lhe a rotunda "imagem corporal alternativa", como se diz hoje em linguagem "politicamente correta". E tirava sarro de sua própria situação. Na Usina Junqueira, Gérson era bem conhecido: além do ajudante da padaria que dormia a sono solto nos bailes do clube, aos 14 anos, também corria longe sua fama de pamonheiro de mão cheia (o soldado Orlando Guerra e a sua esposa descobriram isso e sempre levavam o Gérson para sua casa na época de milho verde... É bom acrescentar que ele não gostava de pamonha e fazia a mais maravilhosa que já comi). Uma das situações das quais me lembro foi quando Gérson destruiu uma bicicleta novinha que papai havia comprado em Igarapava. Ele tinha uns treze anos, década de 70, na pracinha onde morávamos. Assim como o Gérson, todos os garotos da Usina eram apaixonados pela Cristina Guitarrara (Miss Igarapava, uma sensação nos desfiles cívicos e também no concurso Miss São Paulo, além de grande jogadora de basquete, que ao entrar na quadra já deixava a molecada babando). No mesmo dia em que a nova bicicleta de papai (uma Monark novinha, pneu balão), ao passar em frente de nossa casa (do lado oposto tinha um poste), perdeu-se na beleza de Cristina, que, saída da padaria, seguia rumo à sua casa. Gérson foi olhando, olhando e esqueceu-se do rumo que tomava, até arrebentar a bicicleta no poste. Além de inutilizar todinho o novo veículo de meu pai, ficou com uma marca vermelha no peito, que acertou o poste em cheio. Anos depois, ele acabou arrebentando o carro do meu pai numa árvore, aqui em Franca... E ficou tb com a marca no peito. Ele era assim: alegre, risonho, mas de uma infelicidade incrível. Quem sabe um dia eu conto que ele foi atropelado pelo próprio carro, cuja roda dianteira passou sobre sua cabeça.

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