14 de dezembro de 2011

"Por conta de" vira praga

A infernal mania do "por conta de" está sufocando a higiênica expressão "por causa de"

Por causa da minha indignação com esta mania, publico aqui texto do ilustrado Josué Machado, na revista Língua Portuguesa, explicando a diferença de um e outro:
"Por que será que tantas pessoas passaram a usar a expressão por conta de em vez da limpíssima e castiça locução por causa de? Talvez achem por causa de muito simples, quem sabe vulgar, pouco literária.
 
Por isso se ouvem ou lêem coisas como:
- "Por conta desse deixa-disso, somado ao preconceito, o projeto de parceria civil está encostado há dez anos, sem perspectiva de ser votado."
- "Tudo por conta de dois moradores, que não quiseram mais a feira na rua em que moram..."
- "Ganhei uma úlcera gástrica por conta de quatro meses sem fumar."
- "Por conta do calor, os vidros dianteiros estavam abaixados."
 
Sem o modismo papagaial, deveria ser usada a locução conjuntiva perfeita para expressar causa - por causa de; ela aparece sempre antes de substantivo:
- "Por causa desse deixa-disso, somado ao preconceito,..."
- "Tudo por causa de dois moradores, ..."
- "Ganhei uma úlcera gástrica porque fiquei quatro meses sem fumar."
- "Por causa do calor, os vidros dianteiros estavam abaixados."

Mais exemplos:
- Não marcou gols por causa do excesso de peso.
- O Brasil perdeu por causa da máscara.
- Os mensaleiros foram inocentados apenas por causa do corporativismo.
- O Ribeiro ficou encantado por causa da (ou com a) energia do rapaz.

Claro que o substantivo seguinte ao por causa de pode ser modificado por adjetivo ou qualquer determinativo.
Os mensaleiros não foram cassados apenas por causa do saudável corporativismo.

"Porque" causal
A mais característica das conjunções causais, no entanto, é "porque":
- Ele será reeleito porque foi esperto.
- O PCC fez muitos estragos porque é organizado.
- Faz doze anos que o governo arrecada muito imposto porque gasta mal e demais.

Questão de qualidade
Pode ser que, em fenômeno semelhante aos termos "qualidade" e "atitude", por conta de incorpore o sentido causal
Claro que palavras e expressões - como por conta de - podem ganhar novos sentidos com a evolução da língua. E ganham.
Foi o que ocorreu com os substantivos atitude (veja Dito & Escrito em Língua 10) e qualidade, por exemplo.
Atitude sempre teve sentido predominantemente neutro. Era atitude positiva ou negativa. Agora, virou moda falar em atitude como valor positivo: "O jogador tem de ter atitude!", com o significado de empenho, força, energia, esforço, espírito de luta, vontade de lutar. Uma tolice, considerando a quantidade de palavras com o sentido que querem atribuir a atitude. Qualidade também indicava basicamente neutralidade: boa ou má qualidade.
 
Café, cachaça ou político de péssima qualidade.
Agora, quando se fala em qualidade, freqüentemente se subentende boa qualidade.
Ele é um político de qualidade.
Isso significa, de acordo com o sentido que alguns atribuem a qualidade:
Ele é um bom político, um político honesto, trabalhador, decente, responsável, nobre, aplicado, honrado. (Há quem duvide de que tais conceitos coexistam no mesmo ente.)
Pode ser que, em fenômeno semelhante, por conta de também incorpore o sentido causal, até há pouco tempo raro e estranho à maioria dos bons textos.
Também pode ser que o modismo desapareça, e tais palavras e expressões voltem a ter apenas os significados predominantes anteriormente.
O que se há de fazer? Rir é sempre bom remédio.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bom ver que não sou a única a odiar tal modismo.
Estão matando nossa bela língua portuguesa com requintes de crueldade.
Parabéns pela postagem!
Fabíola