31 de agosto de 2010

MANTEIGAS, LARANJAS E MEXERICAS

Algumas coisas me trazem a lembrança da minha infância passada na Usina Junqueira. Uma delas era a lata de manteiga na padaria (da Usina) e da mercearia (de São Geraldo). Uma lata enorme cujo conteúdo eu via sendo passado no pão quentinho. Aliás, a manteiga que comi quando criança (de leite mesmo, vendida em barras embrulhadas em papel-manteiga), nunca mais senti sabor igual. A gente buscava o pão (que hoje chamam filão; na minha época, era o pão d'água ou o pão sovado... Não existia o pãozinho francês) quentinho na padaria e corria pra chegar em casa com ele ainda quente para passar a manteiga, que derretia na massa quente. Também lembro-me hoje do leite que a carrocinha entregava de casa em casa, cada litro medido em uma lata de óleo — na época, final da década de 1960 e início da de 1970, havia um racionamento local: só levava leite quem tinha criança pequena em casa. Quem pretendia comprar pra fazer doce ou pamonha ou bolo, tinha que comprar em Igarapava. E o vendedor (não me lembro do nome dele, eu era muito pequeno na época) era implacável: sem criança pequena, sem leite. Quem morou na Usina nas décadas que eu citei acima, lembram-se bem das laranjas e das mexericas que eram vendidas a preço simbólico na 'residência' (casa dos diretores da Fundação Sinhá Junqueira), em São Geraldo: minha mãe saia sozinha e voltava com um saco de laranjas nas costas. Quando era época de mexericas poncãs, a mesma coisa. Um saco de linho (60 quilos!) lotado das mais deliciosas mexericas que já chupei na vida. Já no começo da década de 1970, a Usina passou a distribuir laranjas e mexericas aos moradores, em caminhões. Mais tarde, fim das frutas que hoje não se encontram igual. Devo esclarecer: a 'residência' tinha um pomar enorme, de laranjas e mexericas. Além disso, quem não tinha um pé de laranja ou de manga no quintal de casa naquela época. Quando morávamos na Rua Quatro número 20, meu primeiro endereço na Usina, tínhamos no jardim um pé de manga coquinho e no quintal (como eram grandes os quintais das casas de lá!) uma laranjeira, um abacateiro e uma goiabeira. Já na pracinha (Praça Sinhá Junqueira número 9) tínhamos, além de limoeiros (limão china que mais parecia uma mexerica poncã), mamoeiros, laranjeiras, um pé de tangerina 'enredeira' (que ninguém consegue consumir escondido) e até uma seringueira enorme ao lado da casa (de onde um dia saiu uma cobra que quase mata a Luci de susto - mas isto é história para outro dia). Quem teve uma infância como esta, livre, cercado de árvores frutíferas (que viravam palco de aventuras nos limites do quintal), quando gripes eram curadas com chá de limão e AAS (ácido acetilsalicílico) e quando a resposta para uma lauta refeição estava no quintal (mamãe criava galinhas e plantava feijão em nosso quintal), sabe o que as crianças de hoje estão perdendo. Infelizmente...

6 comentários:

Núcleo Artiloka disse...

Sidnei, que legal seu texto. É tão bom quando a gente compartilha algo nosso. Através destes pequenos "pedaços da gente" é que nos tornamos grandes no conhecimento do outro.

Abraços e visite também o meu blog de arte karinagera@blogspot.com

Geysa disse...

Quão espetacular é a maneira que você traz os aromas e sabores da infância! Senti-me novamente no Éden, que não poderia ter outro nome, pois foi e continua a ser (mas de uma forma diferente, devido à várias mudanças, obviamente) meu PARAÍSO PARTICULAR. Senti até o perfume das quaresmeiras cujas flores sempre estavam enredadas pelo chão, num gracioso florido de vida. Quantas saudades! Ao trazer sua infância à tona, a minha também eclodiu em diversos suspiros de saudades. Te amo Tio Sidnei!

Geysa disse...

Quão fabulosa é a sua descrição sobre a vida! Acabei de reviver a minha infância e voltar ao Éden_ Paraíso em que fui criada e em que a doçura espreitava cada passo! Por entre quaresmeiras que forravam o chão e efeitavam os passos de todos que pelo bairro passavam, não importando questões financeiras ou caráter_ lá estavam as árvores e as flores, tal qual o sol que brilha para todos. Havia quem reclamasse dizendo querer acabar com a sujeira das árvores, problema da maioria das donas de casa da época. Mas havia também quem bailava entre passos simples e se sentiam honradas com tamanho carinho da natureza à todos. Obrigada, querido Tio Sidnei, por, através de sua sensível descrição, me transportar à minha infância! Huuummm! Que período rico, não é mesmo, ou melhor, que trem bão, né?! Beijos!

Sidnei Ribeiro disse...

Minha querida sobrinha. Nós somos assim, movidos por cheiros e sabores. Quer ver um Ribeiro feliz? Coloque-o numa mesa farta com muita comida e bebida! Ele vai ao céu! Beijos e até quando eu conseguir te ver!!! Será que neste ano vai ser possível? Quando vc vem aqui fica tão longe da minha casa que nem dá pra gente se encontrar, né? kkkkkkkk

Zezé (taio) e Cícero disse...

Sidnei Ribeiro.
É com muita alegria que leio o que você escreve sobre a Usina Junqueira.
É bom falar sobre os velhos tempos, eu sou de época que você cita 1960 e 1970 e peguei a distribuição de laranjas e mexericas e leite de graça na Usina, comprava o pão que era chamado de pão d'água ou o pão sovado, a manteiga que era vendida em papel-manteiga.
Eu levantava 4hs da manhã para pegar pão quentinho e ir para casa rápido para comê-lo com aquela saborosa manteiga, e tinha pão na parte da tarde também.
Eu estava esquecendo-se de dizer que o leite eu pegava direto no curral e tomava também fresquinho tirado da vaca na hora e ainda esperava matar o boi para levar a carne fresquinha para casa.
Fui embora em 1970, eu estava acompanhando seu blog através do blog do Luis de Lucas e resolvi construir um blog e o blog do gordo está lá. http://usinajunqueiraportofelicidade.blogspot.com/

Zezé (taio) e Cícero disse...

Um abraço Sidney.
Eu fui aí em Franca na casa do meu irmão Zezé (Taio) correndo e não tive tempo de fazer uma visita para voce fui a Usina e a Delta, mas prometo que quando for aí na casa do mano prometo fazer uma visita para voce.
Um abraço.