17 de setembro de 2005

LEMBRANDO A INFÂNCIA (2)

Sonia Sant'Anna, escritora de mão cheia, do Blog Contando Causos linkado aqui, ao postar um capítulo de sua autobiografia acendeu a luzinha que esteve meio apagada nos últimos dias. Se os meus amigos que me visitam tiverem paciência, vou falar um pouco de minha vida, infância e fatos que me marcaram profundamente. Como a maioria já sabe pelos meus posts anteriores, nasci no início da década de 60 na Usina Junqueira, uma pequena comunidade próximo a Igarapava. Meu pai trabalhava na usina de açúcar, enquanto minha mãe fazia o que podia para criar seis filhos com dignidade - costurava, comercializava sabão feito em casa, fazia geléia de mocotó que meus irmãos vendiam pela rua e mais o que aparecesse. Ali, o golpe de 64 chegou mas não com o impacto de outros centros, pelo que me lembre.
Um dos fatos marcantes que lembram estes "anos de chumbo" eu acabei protagonizando, sem ao menos saber o que estava acontecendo. Na minha casa, ouvi desde pequeno que havia algo estranho no suicídio de Getúlio Vargas e que o brigadeiro Eduardo Gomes poderia ter vencido Jânio Quadros. Além disso, mamãe fazia verdadeira defesa de João Goulart, rechaçando quem lhe colocava a pecha de comunista. E quem acabou sendo olhada de soslaio acabou sendo ela, dona Altiva, e por minha causa.
Quando tinha uns oito anos, no Grupo Escolar "Cel. Quito Junqueira", minha mãe teve que explicar as minhas "convicções" políticas. Acontece que numa daquelas aulas de História da época, a professora explicou que João Goulart havia sido retirado da Presidência por ser comunista e que os militares fizeram aquilo "em defesa da pátria". Sempre fui meio topetudo e não me contive. Disparei: "a senhora está falando uma mentira, pois João Goulart não era comunista. Foi derrubado por causa de sua intenção de melhorar a vida do pobre, fazendo uma ampla reforma agrária (eu já sabia o que era isso com oito anos!) e financiar a agricultura familiar. Ele nunca quis fazer o que fizeram na Rússia (eu lia muito as revistas da época mais politizadas, como a Realidade, que me deu condições de aprender a avaliar bem cedo as coisas da política)".
A professora ficou vermelha, bufou e não teve como refutar, diante de uma classe em silêncio ante o contestador. Como eu não ia às missas (cresci num lar espírita, dentro dos preceitos da doutrina codificada por Allan Kardec), já fui taxado de "vermelho". Moral da história: mamãe foi chamada à escola e também pelo administrador da Usina para explicar as minhas "idéias comunistas". Simples, dona Altiva endossou tudo o que eu tinha dito e apontou suas convicções. Acabou provando não ser comunista (do contrário, teria uma dor de cabeça danada!), mas recebeu um recado: que não deixasse o filho caçula repetir "aquelas coisas horrorosas e que vão contra a filosofia da revolução (golpe, isso sim!)".
Ela saiu de lá orgulhosa, feliz e sempre me dizia que eu tinha feito a coisa certa, porque se João Goulart tivesse podido governar como quisesse, o Brasil teria tomado outros rumos. Mas me orientou a moderar quando expusesse meu pensamento e deixasse para discutir em casa minhas convicções. Era uma grande mulher e uma mãe exemplar que, mesmo diante das dificuldades, nunca deixou um filho passar por necessidades. Lembro-me dela com saudade, carinho e profunda gratidão. Não fosse dona Altiva, certamente, eu não me tornaria o que sou hoje.

Um comentário:

Anônimo disse...

oi...que lindo o carinho a admiraçao e o amor que vc tem pela sua mae...é vc valorizar tudo o que ela te ensinou,é por isso que vc nos passa essa paz e tranquilidade ao ler-mos as coisas que vc escreve..pois vc passa sentimentos em cada palavra em cada ensinamento de sua mae...imagino a falta e a saudades que vc deve sentir de ter ao seu lado uma grande mulher...parabens por vc ser essa pessoa linda que vc é...e parabens a sua mae por ter feito de vc essa pessoa maravilhosa,mais de sentimento..quanta coisa que vc pode passar a qualquer pessoa que queira aprender...beijos em seu coraçao...Hebe