Minha irmã Luci, dois anos e pouco mais velha do que eu, depois do parto que teve, só tinha que dar no que deu: minha mãe, grávida de nove meses, entrou foi tomar banho e saiu com a Luci embrulhada na toalha. A parteira (e o dr. Lélio) só tiveram o trabalho de ir lá em casa (rua 4, número 20 da Usina Junqueira) pra cortar o cordão umbilical e atestar a saúde da bebê e da mãe. A papai coube, mais uma vez, registrar a filha com o nome que lhe passou pela cabeça na hora (mamãe queria Ariane ou Sidnéia).
E ficou Luci, a irmã mais avoada que qualquer pessoa possa ter. Quando nasci, a Luci achava que eu era a sua boneca (e no correr da vida, ela teve uma coleção de bonecas de todos os tipos) e aproveitava qualquer descuido de mamãe para me pegar no berço. E quando via mamãe, atirava-me de volta como se fosse um boneco de vinil qualquer. Dona Altiva, do alto de sua sabedoria, fazia que não via o que acontecia e só checava se eu estava bem. Crescemos mais um pouco e acabamos criando um bordão que deixava a Luci doida: "Lucamaluca da saia de açúcar". Outra coisa que ela detestava: ser chamada de "Catirina" pelo marido da dona Maria Vira-Saco.
Desde pequena, Luci, além de avoada, tinha um topete que a fazia encarar qualquer um pra defender seus irmãos, Gérson, e o "Coisinha" (eu). Prometeu dar um chute na barriga do Funfa (que morava três casas abaixo da nossa e ganhou este apelido do Gérson por causa do pequeno mico que o sêu Hildebrando, enfermeiro na Usina, tinha) e deu. Depois, deita a correr para casa (ela disse que sentia os pés batendo nas costas). Quem disse que o Funfa conseguiu agarrá-la?
Luci sempre foi minha maior vítima: avoada, estabanada e dispersiva, sempre estava distraída para os meus ataques. Um dia a incomodei tanto com uma corneta que acabei atraindo a ira de um enxame de marimbondos que fez sua morada numa seringueira que tínhamos no meio do quintal. Ela vibrou. Outro dia, mais uma vez eu a perturbando por horas a fio, quando ela fazia seu crochezinho. Moral da história: a agulha de crochê virou arma e acabou enterrada na parte posterior da minha perna, atrás do joelho.
Outro dia, noutra investida minha durante seu labor, a resposta foi fulminante: a marca da metade de um ferro elétrico na minha barriga (ela passava roupas, devo esclarecer). Minha mãe, que vira tudo, nem piscou: "Vá amolar ela de novo, vá!" Eu, que não sou bobo, porque aquilo poderia evoluir para o meu assassinato, fui parando com aquilo e preservando minha integridade.
Luci e eu crescemos e seguimos nossos caminhos. Ela, ainda avoada, casou-se, tornou-se mãe de família, passou por maus pedaços e hoje luta contra o excesso de peso e uma artrose na cabeça do fêmur que a obriga a se locomover utilizando um andador. Duas filhas depois (e mais uma que perdeu no parto, quando adquiriu hepatite C que acabou sendo curada com um tratamento de dois anos no HC de Ribeirão), hoje ela e eu temos algo em comum: Ariane, meu anjo, que tem em Luci como uma das mamães (a outra é minha Elaine) e em mim o Papai Gordo (meu cunhado é o Papai Branco).
Dos seis filhos do "sêo" Sebastião e da dona Altiva, restamos nós, vivos. Gérson, Wilson, Hamilton e Eurípedes, por certo, ao lado de papai e mamãe, devem estar, lá de cima, velando por nós e por Cilene e Conceição (as viúvas), por Rodrigo, Geysa, Randal, Rafael, Lílian, Rangel e Wilber, os descendentes que deixaram. E, por tabela, cuidando de Adriely, Ariane, Gleice e Elisa, filhos meus e de Luci.
6 comentários:
Oi Sidney! Muuuuito bacana esta história sua e de sua irmã! Aposto q o apelido de Luci ficou "Catirina" pq a macaquinha era danada de brava, né não? hahahahaha :-D
Abraços,
Ana Letícia
Sidnei, bom contador de causos é você. Que gostoso deve ter sido crescer numa família assim. E um beijo meu na avoada da Luci, que deve ter sido uma menina custosa, como se diz em Goiás, mas adorável.
Pra completar: meu filho também se curou de hepatite C, e é importante que se divulguem essas curas, que dependem de um diagnóstico precoce, pois até pouco tempo se dizia que era incurável.
Sabe, Ana Letícia, a Luci nunca teve apelidos, só Lu que algumas amigas a chamam. Pra mim, será sempre Luci, avoada e querida demais. Agora, Sonia, a cura da minha irmã só foi possível na segunda fase do tratamento, porque na primeira não deu. Ela só descobriu a doença porque resolveu doar sangue e, nos últimos anos, os hemocentros passaram a agir de forma séria.
Hehehe, antes de tudo, Sudnei, lerei as outras seis histórias da infância que aqui vc pôs, ou melhor cometeu, hehehe.
Muito boa essa!
abraços e volto em breve
oi...entao vc era o coisinha,rsrsrs...interessante....vc e formidavel em relatar suas historias pois vc conta com todos os detalhes,fantastico vc tem um jeitinho todo especial para isso...parabens...beijos...Hebe
Se há um estilo que gosto é este, Sidnei! Uma crônica, com aspectos de contos (adoro misturá-los) transformando a nossa vida familair na maior comédia, pois problemas todos temoss!
Cena inimaginável, mas do inimaginável que vivemos... " Gente, vou tomar um banho para relaxar..." Entrou uma sairam duas!! heheheheheh
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